segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

José Alci


           
           José Alci Maciel de Paiva, casou com a prima Camélia Paiva, filha de seu tio Enéas Frutuoso de Paiva, no dia 25 de dezembro de 1937. Foram morar em Recife, onde nasceu e morreu a primeira filha, Vera Regina. Ao voltarem para Fortaleza, José Alci resolveu continuar os estudos. Enquanto a família crescia, ele trabalhava de dia e estudava a noite. Dona Camélia ajudava bordando e fazendo comida de festa, enquanto trocava fraldas e educava os filhos que iam chegando de mansinho, um a cada dois anos. Assim vieram Sérgio, Luciano, Moacir (que só viveu um ano) e Angela, que ao completar cinco anos, apadrinhou seu pai que se formava em direito.
          Moraram muitos anos em Fortaleza, onde os filhos cresceram e formaram as suas próprias famílias. Ao se aposentar, com um salário razoável, o casal resolveu ir morar perto dos filhos, que nesta altura do campeonato, estavam morando todos longe. A família do Luciano estava residindo em Curitiba e o pessoal do Sergio e da Angela estava em São Paulo. Eles optaram pela “terra da garoa”. Moraram muitos anos na capital de onde o Dr. Alci enviava suas crônicas para o jornal O Povo, em Fortaleza.
 Mas morando em apartamento, dona Camélia sentia falta de um jardim para plantar roseiras, sentia falta de um cachorrinho e, quem sabe, um papagaio que dissesse curucupaco e assobiasse nos dias de chuva.
Era preciso contentá-la, sem abrir mão de São Paulo, foram morar em Itatiba, cidade serrana, de clima agradável e povo hospitaleiro. Lá fizeram bons amigos e quando Ângela e tempos depois, Luciano voltaram para o Ceará, os velhos ficaram onde estavam. À volta para Fortaleza ainda demorou alguns anos, mas a idade foi chegando, Ângela fez pressão e eles baixaram a guarda.
Vez por outra eles voltavam a São Paulo, motivos era o que não faltava, o Dr. Alci já estava programando uma nova visita aos parentes e amigos que lá deixaram, quando o bom Deus o convidou para fazer a grande viagem. Não resistiu, partiu sem nem dizer ate logo, ele gostava de viagens, mas detestava as despedidas.

Ângela Paiva

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A Pedra Aguda

Vai para dois anos, em palestra com o Dr. José Alci Paiva, convidei-o para fazermos uma excursão a Pedra Aguda, lugarejo no município de Aracoiaba, que tira o nome do penhasco colossal que lhe fica a ilharga, espécie de munumento ciclópico isolado em meio à planície.
Sabia-o íntimo de pessoas residentes no local, desde que exerceu as funções se secretário da Prefeitura Municipal de Aracoiaba.
Estávamos, então, no inverno, e, muito naturalmente, assentamos que o passeio se efetivaria nos primeiros dias do verão. Uma coisa, porém, eram nossos planos, e outra, muito diferente, a rigidez de obrigações profissionais que, de tão imperativas, acabaram por tornar fortuitos os nossos encontros. Assim não se realizou a projetada excursão.
Não data, entretanto, desse convite o meu propósito de ir àquele arraial completar apontamentos, para uma reportagem a respeito da pedra formidável erguida a prumo naquele recanto hostil do sertão, a apontar para o céu, como se lhe dera algum gênio misterioso, a missão de indicar, através de séculos sem fim, o roteiro imutável de gerações.
Durante o decênio compreendendo de junho de 1936 a setembro de 1946, viajei regular e pontualmente, uma vez por mês, para Baturité, levado por responsabilidade de ofício. Indo e vindo pela estrada de ferro, habituei-me à soberba e onolvidável perspectiva da Pedra Aguda que, a partir da estação de Antonio Diogo, surgia altaneira, sempre que o espaço entre duas elevações do terreno deixava livre a paisagem do sertão. A pureza atmosférica emprestava ao penedo um azul magnífico, sob cuja branda impressão vinham-me à lembrança, histórias misteriosas de que a lenda urdia, com certo encanto, o romance emocional da pedra solitária. Lá estava, prisioneiro, o casal de príncipes encantados por alguma fada perversa, a contar tristes árias de amor; o galo, companheiro dos dois reclusos, cuja voz argentina ouvia-se, ao meio dia em ponto, colando o ouvido ao flanco áspero da rocha; o tênue penacho de fumaça a escapar-se do alto cimo, no crepúsculo matutino, revelando as primeiras atividades domésticas. E tantas outras quimeras deliciosas que escondem a fatalidade brutal de uma provável convulsão monstruosa, cuja força irresistível plantou ali, para sempre, o rochedo gigantesco envolto no seu manto azul.
Mas, é que a hora das fadas passou. Agora, o correspondente de um matutino na capital, em comunicado especial, conta-nos, de Baturité, que um bando de destemidos operários escalou o penhasco, deixando plantado no topo, a centenas de metros de altura, a blusa molhada de suor de um dos bravos alpinistas.
Não conheço o correspondente em causa, mas, já que sei o nome, nada me custa dizer-lhe, com o entusiasmo que me causou o seu cuidado de registrar e divulgar um acontecimento, de fato, importante para o interesse turístico da região: – Muito bem, Sr. José Augusto Pinheiro! Salve! Em meio ao desinteresse geral da terra por problemas magnos, como é hoje o turismo, o seu comunicado abre uma clareira e por ela cai um feixe de esperanças sobre os propósitos da geração nova.
Amanhã, talvez, uma estrada bem cuidada comece a levar visitantes ao pé do monólito formidável, para experimentarem a emoção daquela grandiosidade que impõe-nos à alma assustada com o fascínio irresistível das coisas eternas.
E depois, quem sabe? – Baturité começará a ser centro de atração turística,
(*) Maciel, José. Minhas Idéias/Crônicas. Aula Editora. Rio de Janeiro. 1986. Pg. 183.

terça-feira, 12 de maio de 2009
PEDRA AGUDA
José Maciel

Adversidade passa



 Não queira enfrentar a adversidade. Se ela lhe vier, curve-se a ela, submisso como quem no mar revolto, se baixa para que a onda lhe passe por cima. Enfrentar adversidade é o mesmo que se contrapor ao vento, a luz, as forças indomáveis da natureza. Também não procure os travestir de falsa conduta emocional: a resignação e a conformação impossíveis.
Isso em toda as grandes conjunturas da vida. As adversidade – como as ondas do mar- passam. Quando por exemplo sofremos a perda inesperada de um ente querido, não queiramos de nós mesmos aceitar o fato pura e simplesmente como um fenômeno biológico, nem busquemos lastro interior daquela conduta indiferente que, nessas horas, tem os que nos visitam e dão bons conselhos de absoluta aceitação crista. Nesses momentos, muitas vezes, temos que nos esforçarmos para manter acesa a fé em Deus, pois que até ela é abalada em seus alicerces.
Que não nos percamos nos justificáveis excessos da alma ferida. Mas que recebamos a adversidade como adversidade. Ainda não deixemos que as lágrimas, as tubulações interiores nublem a verdade que se encontra naquela verdade – pois que a adversidade é uma verdade: Deus está por trás dela? Quem sabe... Talvez para limitar os efeitos.
Sempre me magoa as desditas dos amigos, como se minhas fossem. Quando me dizem que dileto amigo foi despedido do emprego ou caiu em seus negócios ou lhe enodoaram o nome e a reputação, - penso nele, na mulher, nos filhos; passo a imaginar que as dificuldades porque atravessam; como se lhes vejo a casa sem os costumeiros amigos; parece que ouço os cobradores baterem a sua porta.
Quando sei preso alguém injustamente quase que descreio da justiça... e me rejubilo quando dias depois, meses depois ou mesmo anos depois os revejo libertos daqueles sombrios pesadelos. Porque tudo passa as adversidades passam.
Conheci um homem a que imputaram o delito de apropriação de dinheiros públicos, motivo porque fora sumariamente demitido do emprego a bem do serviço publico. Longos anos penou ele – ele, a mulher e os filhos – levando às costas a cruz da indignação maldita à espera de que a justiça, arrastando enferrujados gonzos publicasse a sua inocência. Recordo-me de que Deus prorrogou-lhe a vida tão só o tempo necessário para assistir ao julgamento dos seus semelhantes, porque morreu logo depois. A adversidade passou tardiamente. Mas passou.
A adversidade tem outros matizes. É o filho perdido. É a filha que decepciona. É o marido ou mulher que não cumprem suas obrigações. É a hipoteca vencida. É o mal negocio. É o cargo eletivo não obtido, são as esperanças malditas, as brigas de terra, as questões entre familiares, os ódios de família, as vinganças nas encruzilhadas, as perseguições que duram décadas, a deserdação de filhos, a cobiça de mulheres trágicas, a sânia dos espertos. Vários matizes poderá ter a adversidade. Mas ela passa.
O marido enganado que sofre a tragédia domestica com um lar desfeito; a mulher digna que é jogada ao desamparo; o homem de bem seduzido por uma vigarista que desaparece no sub mundo das mulheres sem nome. Todos sentem o impacto do infortúnio. Sentem o travo da desilusão. Vêem o espectro da adversidade.
Mas se refazem porque a adversidade, qualquer que seja a sua fisionomia, passa.
Noite alta no silencio que torna as coisas mais graves, uma família se reúne para chorar um ente querido; a mãe aflita chora na esteira da fuga vergonhosa da filha querida; parentes sem uma solução discutem o assassinato do chefe da família; chora-se baixinho a verdade do diagnostico medico que anula uma vida infantil. Esses quadros são comuns. Sussurros, alguém que chora baixinho.É a adversidade que entra porta a dentro.
Não nos postemos arrogantes contra ela que de nada valerá nossa arrogância. Submetamo-nos a ela. Fio Deus que no-la mandou. Se tivermos olhos o veremos por trás dela. Mas ela passa. E Ele fica.
21/05/1964

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Por que encarceram os alcoólatras?




De São Paulo 26° - escreve-me um velho amigo de Fortaleza dizendo que desde dezembro se encontra recolhido a uma casa de saúde, levado que foi por uma parenta a pretexto de mostrar-lhe um supermercado novo. Acredito que se trata de uso excessivo de bebidas alcoólicas e a solução é a que via de regra se costuma adotar: o internamento compulsório. Diz ele ( a informação fica por sua conta) que jamais foi examinado por medico e que não sabe nem poderá saber ate quando durará o que chama de o seu “encarceramento”. Lembro-me de que na minha cidade natal havia um homem encarcerado como louco em sua própria casa, que ficava na rua principal. Era uma família que fora abastada e na casa muito grande havia o que se chamava um “corredor”. Este foi fechado com uma grade que dava para uma salinha que servia de “hall” e lá puseram o jovem cujo nome era Luis, portador de doença mental e que com aquele tratamento medieval findou por perder inteiramente a razão.
No caso dos viciados no álcool, a história se repete com lamentável freqüência. Bem que eu sei que não precisa, para uma família, uma tragédia maior do que um filho alcoólatra ou um marido alcoólatra. Na mesma cidade em que enjaularam o Luis eu vi o drama por que passou uma respeitável senhora, por sinal que minha professora de desenho. Ali o destino foi o mais cruel, porque ela só possuía um filho, e tanto este como o marido, eram dois ébrios inveterados. Quando um não chegava embriagado, chegava o outro; e muita e muita vez eram os dois levados nos braços.
Longe de mim fazer pregação evangélica e dizer que a mulher deve receber essas coisas como sendo enviadas pelo bom Deus. Nada disso. Entendo que um marido que resvala na bebedeira, perde o controle da direção da casa e se torna um vagabundo é uma suprema injuria para a mulher, tal como se ele, depois do casamento, se tornasse homicida, ladrão ou violentador de crianças. E que um filho alcoólatra é mais decepcionante que se viesse ao mundo portador de uma deficiência física ou psíquica.
Tudo certo e os pontos bem colocados nos seus lugares, para que o leitor ou leitora acompanhe o meu raciocínio. Mas não justifico em absoluto o encarceramento do alcoólatra, porque lei nenhuma autoriza nenhum medico nem uma casa de saúde, manter em cárcere privado um indivíduo a requerimento da família. Isto é, aliás, configurado como crime no Código Penal, muito especialmente quando não há o menor sinal de tratamento medico, quando não foi realizado no paciente um exame adequado e, quando realizado este, foi constatada a necessidade do internamento. E este deve naturalmente ser por período certo, tudo sob supervisão medica cientificamente programado por seus mínimos detalhes, especialmente quanto à medicação.
Se bem me faço entender, o internamento de alcoólatras deve produzir seus bons resultados, mas como parte de um tratamento medico e tendo por base o trabalho preliminar de convencimento do paciente. Sim, este deve ser preparado pela esposa, pela mãe, pelos filhos, conforme o caso. Todo o esforço familiar nesse sentido merece os mais dilatados elogios. Na borda da sarjeta, o homem precisa da mão amiga, precisa do carinho dos seus, precisa de alguém com força moral para suprir o seu raciocínio reduzido a insignificância. Isto está certo e é muito louvável. Mas, encarcerar o embriagado, não. Encarcerar o pai e o filho para que não seja, uma nodoa vergonhosa na família não. Por que não se encarcera a filha moça que se prostitui? Por que não se encarcera a mulher casada que dorme com outro homem? Por que a família, tão solicita, não leva para encarcerar o filho que na calada da noite é assaltante de banco? Por que, também por amor às conveniências, não encarceram os pederastas?
Não, tenhamos a santa paciência; e nesta hora em que se fala tanto de direitos humanos, não é possível deixar, que, com uma guia medica muitas vezes obtida de favor, casas de saúde, que não merecem este nome, enriqueçam destruindo, como bastilhas, o grande patrimônio da dignidade humana.

20/04/1977

   

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Os que só bebem uísque


Os que só bebem uísque

               Quando o individuo de pequenas posses se vê na contingência de fazer uma festinha em casa – em decorrência de promoção, dos quinze anos da filha, das bodas de prata – enfrenta os naturais problemas que principiam na pequena acomodação da casa, mesmo aproveitando o jardim e o quintal, e que vão, com minúcias de detalhes, até a espécie e à quantidade de comidas e bebidas. Já terá feito uma lista das pessoas obrigatoriamente convidáveis e, entre as consideradas de destaque, terá tido o cuidado de comprar, às vezes com dificuldade, algumas garrafas de uísque nacional e, pelo menos, uma de uísque escocês, de boa qualidade.
A experiência e a observação tem demonstrado que jamais um anfitrião de meia tigela escapará aos problemas decorrentes da presença do tipo de individuo que só bebe uísque. Aceitará, é claro, o uísque que lhe for servido, mas encontrará, na reunião promovida pelo dono da casa oportunidade para doutrinar sobre uísque e se fazer conhecedor das boas marcas mais raras e mais caras, embora nem sempre tenha tido acesso a elas.
Começará por uma preleção autorizada a respeito de uísques licorosos, seco e meio seco, de vários fabricantes, emitindo opiniões autorizadas a respeito de como deve ser bebido uísque – puro com gelo ou sem gelo, com soda ou sem soda, com água comum – para se conhecer o teor autentico da bebida.
Discussões dessa natureza por vezes se acaloram e quase que chegam a extremos quando há na roda um outro convidado igualmente “entendido” em uísque. Um e outro, traduzindo rótulos em inglês ou elevando às alturas o produto nacional, firmam jurisprudência nos seus pontos de vista, sem admitir que qualquer outra pessoa possa dar uma palavra, pois todo assunto estará monopolizado pelos dois ilustres senhores. E como vão longe! Recordo-me de que, numa dessas reuniões, um dos convidados que se dizia alto conhecedor de uísques escoceses afirmava que os havia experimentando de 149 marcas diferentes. Ao tempo, eu estava mais ou menos em dia com o produto escocês e, sinceramente, não conhecia mais do que 20 marcas.
Mas o importante é que muitos daqueles que em festinhas familiares afirmam que a sua bebida é exclusivamente uísque e que só o tomam de procedência estrangeira, quando não desfrutam de tais prazeres gratuitos bebem tudo quanto há, sem preferência por qualquer tipo de bebida. E nisso eles se traem logo no correr da festa, bebendo produto nacional como se fosse o estrangeiro e, quando se esgota o estoque de ambos passam a beber de tudo que há na mesa, sem nenhum respeito às tradições de bebedor de fino paladar com os que de principio se apresentaram.

José Alci Paiva
Publicado no Jornal O Povo