quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Adversidade passa



 Não queira enfrentar a adversidade. Se ela lhe vier, curve-se a ela, submisso como quem no mar revolto, se baixa para que a onda lhe passe por cima. Enfrentar adversidade é o mesmo que se contrapor ao vento, a luz, as forças indomáveis da natureza. Também não procure os travestir de falsa conduta emocional: a resignação e a conformação impossíveis.
Isso em toda as grandes conjunturas da vida. As adversidade – como as ondas do mar- passam. Quando por exemplo sofremos a perda inesperada de um ente querido, não queiramos de nós mesmos aceitar o fato pura e simplesmente como um fenômeno biológico, nem busquemos lastro interior daquela conduta indiferente que, nessas horas, tem os que nos visitam e dão bons conselhos de absoluta aceitação crista. Nesses momentos, muitas vezes, temos que nos esforçarmos para manter acesa a fé em Deus, pois que até ela é abalada em seus alicerces.
Que não nos percamos nos justificáveis excessos da alma ferida. Mas que recebamos a adversidade como adversidade. Ainda não deixemos que as lágrimas, as tubulações interiores nublem a verdade que se encontra naquela verdade – pois que a adversidade é uma verdade: Deus está por trás dela? Quem sabe... Talvez para limitar os efeitos.
Sempre me magoa as desditas dos amigos, como se minhas fossem. Quando me dizem que dileto amigo foi despedido do emprego ou caiu em seus negócios ou lhe enodoaram o nome e a reputação, - penso nele, na mulher, nos filhos; passo a imaginar que as dificuldades porque atravessam; como se lhes vejo a casa sem os costumeiros amigos; parece que ouço os cobradores baterem a sua porta.
Quando sei preso alguém injustamente quase que descreio da justiça... e me rejubilo quando dias depois, meses depois ou mesmo anos depois os revejo libertos daqueles sombrios pesadelos. Porque tudo passa as adversidades passam.
Conheci um homem a que imputaram o delito de apropriação de dinheiros públicos, motivo porque fora sumariamente demitido do emprego a bem do serviço publico. Longos anos penou ele – ele, a mulher e os filhos – levando às costas a cruz da indignação maldita à espera de que a justiça, arrastando enferrujados gonzos publicasse a sua inocência. Recordo-me de que Deus prorrogou-lhe a vida tão só o tempo necessário para assistir ao julgamento dos seus semelhantes, porque morreu logo depois. A adversidade passou tardiamente. Mas passou.
A adversidade tem outros matizes. É o filho perdido. É a filha que decepciona. É o marido ou mulher que não cumprem suas obrigações. É a hipoteca vencida. É o mal negocio. É o cargo eletivo não obtido, são as esperanças malditas, as brigas de terra, as questões entre familiares, os ódios de família, as vinganças nas encruzilhadas, as perseguições que duram décadas, a deserdação de filhos, a cobiça de mulheres trágicas, a sânia dos espertos. Vários matizes poderá ter a adversidade. Mas ela passa.
O marido enganado que sofre a tragédia domestica com um lar desfeito; a mulher digna que é jogada ao desamparo; o homem de bem seduzido por uma vigarista que desaparece no sub mundo das mulheres sem nome. Todos sentem o impacto do infortúnio. Sentem o travo da desilusão. Vêem o espectro da adversidade.
Mas se refazem porque a adversidade, qualquer que seja a sua fisionomia, passa.
Noite alta no silencio que torna as coisas mais graves, uma família se reúne para chorar um ente querido; a mãe aflita chora na esteira da fuga vergonhosa da filha querida; parentes sem uma solução discutem o assassinato do chefe da família; chora-se baixinho a verdade do diagnostico medico que anula uma vida infantil. Esses quadros são comuns. Sussurros, alguém que chora baixinho.É a adversidade que entra porta a dentro.
Não nos postemos arrogantes contra ela que de nada valerá nossa arrogância. Submetamo-nos a ela. Fio Deus que no-la mandou. Se tivermos olhos o veremos por trás dela. Mas ela passa. E Ele fica.
21/05/1964

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