terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Por que encarceram os alcoólatras?




De São Paulo 26° - escreve-me um velho amigo de Fortaleza dizendo que desde dezembro se encontra recolhido a uma casa de saúde, levado que foi por uma parenta a pretexto de mostrar-lhe um supermercado novo. Acredito que se trata de uso excessivo de bebidas alcoólicas e a solução é a que via de regra se costuma adotar: o internamento compulsório. Diz ele ( a informação fica por sua conta) que jamais foi examinado por medico e que não sabe nem poderá saber ate quando durará o que chama de o seu “encarceramento”. Lembro-me de que na minha cidade natal havia um homem encarcerado como louco em sua própria casa, que ficava na rua principal. Era uma família que fora abastada e na casa muito grande havia o que se chamava um “corredor”. Este foi fechado com uma grade que dava para uma salinha que servia de “hall” e lá puseram o jovem cujo nome era Luis, portador de doença mental e que com aquele tratamento medieval findou por perder inteiramente a razão.
No caso dos viciados no álcool, a história se repete com lamentável freqüência. Bem que eu sei que não precisa, para uma família, uma tragédia maior do que um filho alcoólatra ou um marido alcoólatra. Na mesma cidade em que enjaularam o Luis eu vi o drama por que passou uma respeitável senhora, por sinal que minha professora de desenho. Ali o destino foi o mais cruel, porque ela só possuía um filho, e tanto este como o marido, eram dois ébrios inveterados. Quando um não chegava embriagado, chegava o outro; e muita e muita vez eram os dois levados nos braços.
Longe de mim fazer pregação evangélica e dizer que a mulher deve receber essas coisas como sendo enviadas pelo bom Deus. Nada disso. Entendo que um marido que resvala na bebedeira, perde o controle da direção da casa e se torna um vagabundo é uma suprema injuria para a mulher, tal como se ele, depois do casamento, se tornasse homicida, ladrão ou violentador de crianças. E que um filho alcoólatra é mais decepcionante que se viesse ao mundo portador de uma deficiência física ou psíquica.
Tudo certo e os pontos bem colocados nos seus lugares, para que o leitor ou leitora acompanhe o meu raciocínio. Mas não justifico em absoluto o encarceramento do alcoólatra, porque lei nenhuma autoriza nenhum medico nem uma casa de saúde, manter em cárcere privado um indivíduo a requerimento da família. Isto é, aliás, configurado como crime no Código Penal, muito especialmente quando não há o menor sinal de tratamento medico, quando não foi realizado no paciente um exame adequado e, quando realizado este, foi constatada a necessidade do internamento. E este deve naturalmente ser por período certo, tudo sob supervisão medica cientificamente programado por seus mínimos detalhes, especialmente quanto à medicação.
Se bem me faço entender, o internamento de alcoólatras deve produzir seus bons resultados, mas como parte de um tratamento medico e tendo por base o trabalho preliminar de convencimento do paciente. Sim, este deve ser preparado pela esposa, pela mãe, pelos filhos, conforme o caso. Todo o esforço familiar nesse sentido merece os mais dilatados elogios. Na borda da sarjeta, o homem precisa da mão amiga, precisa do carinho dos seus, precisa de alguém com força moral para suprir o seu raciocínio reduzido a insignificância. Isto está certo e é muito louvável. Mas, encarcerar o embriagado, não. Encarcerar o pai e o filho para que não seja, uma nodoa vergonhosa na família não. Por que não se encarcera a filha moça que se prostitui? Por que não se encarcera a mulher casada que dorme com outro homem? Por que a família, tão solicita, não leva para encarcerar o filho que na calada da noite é assaltante de banco? Por que, também por amor às conveniências, não encarceram os pederastas?
Não, tenhamos a santa paciência; e nesta hora em que se fala tanto de direitos humanos, não é possível deixar, que, com uma guia medica muitas vezes obtida de favor, casas de saúde, que não merecem este nome, enriqueçam destruindo, como bastilhas, o grande patrimônio da dignidade humana.

20/04/1977

   

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