segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Os que só bebem uísque


Os que só bebem uísque

               Quando o individuo de pequenas posses se vê na contingência de fazer uma festinha em casa – em decorrência de promoção, dos quinze anos da filha, das bodas de prata – enfrenta os naturais problemas que principiam na pequena acomodação da casa, mesmo aproveitando o jardim e o quintal, e que vão, com minúcias de detalhes, até a espécie e à quantidade de comidas e bebidas. Já terá feito uma lista das pessoas obrigatoriamente convidáveis e, entre as consideradas de destaque, terá tido o cuidado de comprar, às vezes com dificuldade, algumas garrafas de uísque nacional e, pelo menos, uma de uísque escocês, de boa qualidade.
A experiência e a observação tem demonstrado que jamais um anfitrião de meia tigela escapará aos problemas decorrentes da presença do tipo de individuo que só bebe uísque. Aceitará, é claro, o uísque que lhe for servido, mas encontrará, na reunião promovida pelo dono da casa oportunidade para doutrinar sobre uísque e se fazer conhecedor das boas marcas mais raras e mais caras, embora nem sempre tenha tido acesso a elas.
Começará por uma preleção autorizada a respeito de uísques licorosos, seco e meio seco, de vários fabricantes, emitindo opiniões autorizadas a respeito de como deve ser bebido uísque – puro com gelo ou sem gelo, com soda ou sem soda, com água comum – para se conhecer o teor autentico da bebida.
Discussões dessa natureza por vezes se acaloram e quase que chegam a extremos quando há na roda um outro convidado igualmente “entendido” em uísque. Um e outro, traduzindo rótulos em inglês ou elevando às alturas o produto nacional, firmam jurisprudência nos seus pontos de vista, sem admitir que qualquer outra pessoa possa dar uma palavra, pois todo assunto estará monopolizado pelos dois ilustres senhores. E como vão longe! Recordo-me de que, numa dessas reuniões, um dos convidados que se dizia alto conhecedor de uísques escoceses afirmava que os havia experimentando de 149 marcas diferentes. Ao tempo, eu estava mais ou menos em dia com o produto escocês e, sinceramente, não conhecia mais do que 20 marcas.
Mas o importante é que muitos daqueles que em festinhas familiares afirmam que a sua bebida é exclusivamente uísque e que só o tomam de procedência estrangeira, quando não desfrutam de tais prazeres gratuitos bebem tudo quanto há, sem preferência por qualquer tipo de bebida. E nisso eles se traem logo no correr da festa, bebendo produto nacional como se fosse o estrangeiro e, quando se esgota o estoque de ambos passam a beber de tudo que há na mesa, sem nenhum respeito às tradições de bebedor de fino paladar com os que de principio se apresentaram.

José Alci Paiva
Publicado no Jornal O Povo

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