quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O Meu José




José tem em todas as partes, em todas as raças, credos e condições sociais, mas acho que ainda sobra uma vaguinha para falar do meu José.
Para chegar ao velho, temos de voltar ao menino pobre, sem poesia, apenas mais um filho de uma boa Maria que com quatro filhos pequenos, viúva e desamparada, voltava ao lar paterno em busca de abrigo.
A casa grande nos moldes antigos, aconchegante na sua simplicidade, oferecia o conforto de uma boa rede, comida farta nas horas certas e, principalmente, o carinho de um velho de coração grande e palavras curtas.
As tias vitalinas, sem permissão para espancar os sobrinhos, olhavam atravessado para os filhos da única irmã que conseguira casar e, mesmo por pouco tempo, abandonar a monotonia provinciana e respirar os ares da capital.
José passou brilhantemente pelo grupo escolar e graças a uma boa amizade com os padres Jesuítas pôde aprimorar os conhecimentos, aprender francês e abrir os horizontes para algo além da vidinha parada num empreguinho sem futuro, esperando o ano inteiro pelo mês de dezembro, quando a cidade era sacudida pelos festejos de Santa Luzia, a Padroeira.
Foi difícil sair, crescer e ser aceito na cidade grande tendo de estudar à noite e trabalhar de dia para criar os filhos. Às vezes, o dinheiro não dava para a mensalidade do Colégio e dona Camélia precisava bordar e preparar festas para pessoas ricas para ajudar na manutenção da casa.
O anel de formatura foi presente do primo Érico Mota, a beca foi alugada e o escritório foi montado na sala principal da casa de morada, cuja única pretensão era a placa de doutor na parede da frente.
Não foi um pulo subir. Não era suficiente o saber numa profissão em que a justiça se arrasta e a verdade nem sempre vence. Mas o Dr. José, graças às boas leituras, era muito bom em oratória, o que ajudava na profissão de advogado, e escrevendo, seus artigos de jornal eram muito bem aceitos. Para assegurar o futuro da família, o Dr. José Alci fez um concurso para Promotor de Justiça e, mais uma vez, passou com louvor.
Farta clientela, boas amizades; mais alguns anos e seria procurador, mas o destino não quis e no auge da carreira, ele perdeu a visão. Foi um sofrimento mudo e nunca ouvi de sua boca uma blasfêmia com Deus ou com a sorte.
O trabalho diminuiu, mas os estudos continuaram intensos. O ordenado de promotor, mais o de jornalista, assegurou um orçamento razoável, suavizando a vida em pequenas comarcas do interior. A aposentadoria deu-lhe condições para trocar o panorama rural pela maior metrópole brasileira, realizando assim, o velho sonho de morar em São Paulo.
Com maior número de livrarias à sua disposição, continuou estudando e escrevendo. Superando a cegueira e suas limitações, com honras à dona Camélia, que lhe cedeu o ombro amigo e os olhos.
 Trocando o constituinte plebeu pelo convívio constante do inseparável Maquiavel, os Luizes e a Rainha Vitória, ele ganhou ainda mais sabedoria.
Vinte e três anos quase no escuro, iluminado apenas pela mente, pela família e pelos poucos amigos que lhe restaram, e eis que de repente apareceu um médico prometendo-lhe a volta da visão. Ele pediu para pensar e quando todos sonhavam em vê-lo enxergando novamente, ele declarou que não iria operar. Agradeceu a Deus pela oportunidade esperada há tantos anos, mas a resposta  foi NÃO.
As explicações são poucas e desnecessárias. Com 77 anos, sentado no seu escritório, cercado pelos livros, amigos de todas as horas, ele continuou o advogado de primeiríssima, o promotor justo e o jornalista brilhante. Na sua postura nobre, no brilho de seus cabelos brancos e no seu falar pausado e claro, via-se a personalidade notável de um grande homem de quem o destino tirou quase tudo, menos o direito de dizer NÃO.

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