quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Esse Mundo Perdido

De José Alci Paiva

Minha tia, Conceição Paiva, nasceu em fins do século passado, em Baturité. Ali viveu e ali casou, não arredando o pé senão para sua derradeira morada, depois de criados todos os filhos de acordo com os métodos didáticos e pedagógicos da época, reforçado com o exemplo de seu pai meu avô paterno, professor Frutuoso de Paiva, mestre escola de relho e palmatória complementares dos ensinamentos escolares. Tudo isso ainda acrescentado da autoridade soberana que ela desfrutava em casa. Certo que, antes do patriarcado, a que os historiadores se referem, veio o matriarcado, isto é, aquele período social em que toda a direção da casa cabia a mulher, reservando-se ao marido as tarefas externas. Não era um período matriarcal aquele em que minha tia viveu, mas o marido, Vicente Gonçalves Silva, um bom homem que possuía uma modesta casa de negócios no quadro do mercado, dera-se pôr feliz em achar autoridade doméstica, que, ao que parece, lhe havia passado de tinta e papel todos os mais poderes pôr ventura restantes. Assim, minha tia, uma mulher magra e de pequena estatura, franzina, constantemente de meias de algodão nos seus grossos chinelos, de óculos de aro de ouro, era a primeira, a única e a última instância da família.
Lembro-me perfeitamente dela e dos detalhes sobre sua honrada e virtuosa pessoa. Depois dos arranjos da casa e das ordens distribuídas, ficava sentada na sala de visitas, numa cadeira de balanço fumando um charutinho. Morava na rua 15 de novembro, há poucos passos da casa de meu avô materno, Antônio Maciel, casa depois adquirida pôr sua filha Ester Paiva e Silva e em que mora outro filho, Custódio. Nela morei quando Promotor de Justiça em Baturité.
Embora vivendo em cidade essencialmente católica, minha tia não era freqüentadora de igreja e cumpria suas obrigações religiosas em casa. Mas, os filhos, esses não deveriam faltar à missa dominical. Nisso ela era intransigente e não admitia desculpas. E ë a propósito que me recordo de uma história.
Seu filho Silva, isto é, Vicente Gonçalves Silva Filho, já um tanto graúdo, procurava burlar a vigilância da boa velha, e ela redobrou os cuidados. Teria que ir à missa e conta-lhe o que o padre no sermão. Ora, o vigário Monsenhor Manoel Cândido dos Santos, não era eloqüente e o Silva, mais de uma vez enrolou minha tia. Ela apertou mais e ele voltou , certo domingo, dizendo que o padre repetira o sermão da multiplicação dos pães e dos peixes. Minha tia não era boa em liturgia, mas preparou-se para o Domingo seguinte, já com a tira de sola na mão. “Silva, o que foi que disse o Padre?” Silva não perdeu tempo na resposta: “Minha mãe, o Padre disse que o mundo estava perdido”. A boa velha foi com o Silva à paia: “Perdido está é você, cabra sem vergonha”.
Os dois hoje se terão encontrado na Glória de Deus e talvez minha tia tenha pedido ao filho para esquecer a surra.

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